quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Neuroses Eclesiásticas (continuacao)

Na política, não queremos envolvimento (e muitos que o fazem são um péssimo exemplo, buscando apenas vantagens para si próprio). Das questões sociais, movimentos e reivindicações, queremos distância. Parece que temos medo do engajamento.

A bem da verdade, esses fenômenos não são privilégio da igreja, mas acontecem em escala ainda maior e igualmente doentia na cultura secular, em nossa sociedade “pós-moderna”, que, como ensina o Dr. James Houston, descobriu que estávamos sendo enganados por nossos heróis e nos jogou num caldeirão indiferenciado, onde tudo e nada têm praticamente o mesmo valor. Aqui, porém, tal qual no Apocalipse, vamos começar o julgamento pelo povo de Deus.

Uma área que pode exemplificar isso: a música. No meu trabalho tenho contatos com estúdios de gravação profissionais, músicos e técnicos de som; não são muitos, mas são muito bons no que fazem. Perguntei a esses amigos músicos seculares o que eles achavam das nossas bandas Gospel. Eles, com muito jeito para não me constranger (sabiam que eu era evangélico), responderam que os músicos tocam muito bem, têm boa técnica, mas que a música parece “sem alma”. Certinha, tecnicamente perfeita, mas sem alma.

Acho que é um bom retrato das nossas vidas: procuramos fazer tudo certo, da melhor maneira possível; mas, por alguma razão, não tem muito sabor, não tem muita vida. (E nós pregamos e cantamos que Jesus veio para que tenhamos vida, e vida em abundância...). Talvez por isso sejamos acusados de hipócritas, de não-autênticos. Mas isso também não é verdadeiro: olhamos
para dentro de nós mesmos e sabemos que não estamos querendo enganar ninguém.

Não é nossa intenção “fazer de conta” que somos espirituais. Corremos para Deus em oração, pedimos-lhe para sondar nosso coração, e sabemos que oramos com sinceridade. Mas nossa vida continua da mesma forma. Estamos preocupados, queremos acertar em tudo, pedimos a direção e ajuda de Deus, prestamos atenção nos sermões ou profecias, freqüentamos a igreja, mas nossa vida segue “pasteurizada”, meio viva, meio morta. A igreja não muda isso, e parece que ela até reforça essa “pasteurização”. Há algo errado, e isso merece uma investigação.


INVESTIGAÇÃO

Quando há algo errado em nossa casa, vamos procurar encontrar o problema, até resolvê-lo. O convite, agora, é para “aprofundarmos as más notícias”.

Vamos “entrar na igreja” para tentar descobrir o que está havendo, tentar identificar por quê uma comunidade que deveria estar gerando vida abundante está produzindo “semizumbis”, pouco vivos. Por que uma instituição que poderia ser terapêutica está ajudando a adoecer, e por que tantas pessoas que dela se aproximam saem frustradas após algum tempo?

1. O clima dentro das igrejas

O que uma ida aos templos e cultos das igrejas nos faz sentir? O que a Igreja, por si só - independentemente das pregações e canções - nos leva a lembrar, a pensar, a fazer? Arrisco algumas impressões: o ambiente da igreja (incluindo as pessoas que lá estão, durante algumas horas na semana) nos lembra da existência de Deus, como Alguém maior que nós, acima de nós, supremo, inquestionável. Estar na igreja nos lembra, ainda, da existência da eternidade,
especialmente do Céu, mas também (principalmente para crianças) do inferno.

Essas duas “impressões”, experimentadas dominicalmente, contribuem para um certo sentimento de pequenez a nosso respeito, como diz o Pregador de Eclesiastes: “Deus está lá em cima e tu aqui em baixo”. Isso tem sua verdade: Deus de fato é o Altíssimo, Todo-Poderoso; mas desde Jesus revela-se como “Emanuel”, Deus conosco.

Como contraponto ao distanciamento, lá dentro do prédio que convencionamos chamar de igreja desfrutamos de alguma convivência humana; temos amigos, às vezes temos rivais, há espaço para jovens conhecerem pessoas do sexo oposto.

A participação em grupos menores fortalece as amizades, e mesmo os ensaios de corais ou bandas incrementam esses relacionamentos. Isso tudo é muito bom, e acontece “aqui embaixo, cá entre nós”, dentro da “casa de Deus”. Essa vida mais social nos torna afetivamente supridos, o que reforça a separação que muitas vezes é pregada, entre os crentes e “o mundo”. Imaginamos que Deus lá do alto nos abençoa e protege, e ao mesmo tempo condena o mundo lá fora.

E enquanto Deus é sentido “lá no alto”, aqui em baixo existe uma categoria de servos especiais dEle, que de certa forma O representam: são os pastores e pastoras e, no caso dos irmãos pentecostais, também os profetas e profetisas.

É a eles que buscamos quando precisamos ouvir alguma orientação da parte de Deus, quando queremos “ouvir a palavra de Deus”. E, mesmo quando não procuramos, são eles que trazem a mensagem de Deus para nós, nas pregações dominicais (e nas eventuais profecias a nós dirigidas).
Não dá para negar: mesmo que nós protestantes afirmemos a correta doutrina do “sacerdócio universal dos crentes”, no ambiente da Igreja praticamos uma separação entre ministros (pastores, anciãos, presbíteros, qualquer que seja o nome) e os irmãos e irmãs em geral, muito parecida com a diferenciação entre clero e leigos na igreja católica. Essa hierarquia amplia, no cristão comum, aquele sentimento de pequenez, de incapacidade própria.

Conseqüentemente, o mapa de atividade na igreja se parece muito com um estádio de futebol: muitos sentados assistindo e alguns poucos “heróis” correndo feito loucos, providenciando a “ação”. Como a igreja não é um clube de futebol, e como são esses poucos ativos os que fazem uso da palavra,
é muito freqüente que eles confundam “viver para Deus” com “assumir alguma responsabilidade nesta igreja” (afinal, eles estão sentindo o desgaste na própria pele).

Isso nos leva à próxima área de investigação:

2. O Clima das Pregações

Tradicionalmente, temos dois tipos de pregação em nossas igrejas: os sermões para “os de fora”, chamados de sermões evangelísticos, e o sermões para “os de dentro”, para os crentes, os sermões doutrinários. As diferenças entre esses dois tipos são grandes, e bastante reveladoras. Nas mensagens evangelísticas a tônica é: “Deus te ama, e te aceita; venha para Jesus assim como está, e Ele perdoará os teus pecados; saia dessa vida e junte-se a nós”.

Antigamente quase todas as igrejas tinham cultos no domingo pela manhã (dirigido aos crentes) e novamente à noite (dirigido aos visitantes, evangelístico). Hoje apenas alguns grupos mantêm essa prática. Mas o que é pregado aos crentes, para os que já aceitaram a mensagem evangelística, decidiram crer em Jesus e se integraram à igreja?

Nas últimas duas décadas tenho visitado muitas igrejas diferentes no Brasil, tanto tradicionais quanto pentecostais, além de algumas católicas. É impressionante a semelhança do “tom” das mensagens. Quando falam aos crentes (que é a grande maioria dos casos), os pregadores sempre estão cobrando alguma coisa, sempre mostrando a necessidade de algum aperfeiçoamento.


Karl Kepler, psicólogo, pastor, professor de Teologia e presidente do CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos).

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